Ameaça ou recompensa? Como nosso cérebro reage às mudanças

Ameaça ou recompensa? Como nosso cérebro reage às mudanças

Saber identificar perigos e ameaças foi essencial para nossa sobrevivência como espécie. Antes de fixar moradia e iniciar a agricultura, o homem se alimentava do que encontrava pelo caminho: frutas, pequenos animais, raízes, cogumelos. E, nesse cenário, ser capaz de diferenciar o que era nutritivo ou venenoso foi algo decisivo para se manter vivo. Da mesma forma, um barulho no meio da noite ou o encontro com um animal desconhecido exigiam interpretação e reação rápidas: ficar ou fugir, lutar ou interagir. Tudo que era novo despertava um sinal de alerta.

Não é à toa, então, que a mudança seja algo tão desafiador para nós e que resistir ou temer o novo sejam um comportamento recorrente. Entender como o nosso cérebro reage à mudança e a novos estímulos é muito importante para que possamos gerenciar da forma adequada os processos de transformação nas empresas.

Boa parte do nosso comportamento é governado pelo princípio básico de minimizar riscos e maximizar recompensas. Nosso cérebro interpreta cada estímulo como uma ameaça ou recompensa e desperta no nosso corpo as reações necessárias para lidar com esse novo evento. É um processo rápido e inconsciente.

A neurociência tem trazido grandes contribuições para entender como esse mecanismo humano influencia o comportamento das pessoas no ambiente organizacional. E algumas descobertas importantes são que:

  • Para nosso cérebro, as necessidades sociais (como pertencimento e aceitação) são tratadas da mesma forma que necessidades básicas, como água e comida. Isso desafia a forma como aprendemos a pensar sobre a hierarquia das necessidades humanas, através da Pirâmide de Maslow.
  • Muitas ameaças sociais (como exclusão, indiferença e perda de status) são percebidas com a mesma intensidade que ameaças ou sofrimentos físicos.
  • Situações classificadas internamente como ameaças afetam a nossa capacidade de tomar decisões e resolver problemas mais complexos e diminuem a nossa disposição para assumir riscos, suportar dificuldades, aderir a novas iniciativas e colaborar com outras pessoas. Em situações consideradas como recompensas, ocorre o efeito inverso.
  • Não é uma escolha consciente. Diante de situações que geram stress, nosso cérebro direciona recursos para nos preparar para defesa ou ataque, em prejuízo de outras atividades cognitivas mais sofisticadas.

O neurocientista David Rock afirma que, diante de novos estímulos, o carimbo cerebral de ameaça é mais rápido e comum. Por isso, em processos de mudança, é muito importante ficar atento aos fatores que podem desencadear esse tipo de resposta. Rock apontou cinco dimensões sociais que, com mais frequência, podem ativar uma resposta de ameaça ou recompensa entre as pessoas e que por isso devem ser gerenciadas de forma cuidado pelas empresas.

Essas cinco dimensões foram identificadas pela sigla em inglês SCARF, que significa: status (status), certeza (certainty), autonomia (autonomy), conexão (relatedness) e justiça (fairness). Para cada dimensão, Rock sugeriu algumas ações que podem ser tomadas pelas empresas para minimizar o sentimento de ameaça e ampliar a sensação de recompensa entre os colaboradores.
 

O modelo SCARF, de David Rock

 


O status é o senso pessoal de valor e importância em relação a outras pessoas. Nosso cérebro vê como recompensas as situações em que nos sentimos importantes e valorizados no grupo. E classifica como ameaça situações em que somos menosprezados e ignorados. Qualquer mudança que afete negativamente o senso pessoal de status pode despertar nas pessoas resistência e reações negativas. E status não é só cargo, mas vários outros fatores que afetam a autoimagem das pessoas.

Rock diz que, dependendo do contexto, um convite simples como “posso te dar um feedback?” já pode disparar em nós uma reação de medo e de inferioridade em relação a outra pessoa, que parece saber mais sobre as coisas do que nós.
Existem medidas simples que podem reduzir essas sensação de ameaça, como dar as pessoas a oportunidade de fazer a sua autoavaliação. O feedback positivo e o reconhecimento público também ajudam muito.

Outra descoberta importante é que, em termos cerebrais, superar a si mesmo pode ser tão recompensador quanto vencer outras pessoas. O sentimento de desenvolver uma nova habilidade, melhorar o seu desempenho e receber atenção por isso torna as pessoas mais satisfeitas e receptivas.

O senso de status também é ampliado quando as pessoas têm a oportunidade de tomar decisões que permitem melhorar o seu próprio trabalho ou contribuir de alguma forma para a comunidade ou o ambiente em que vivem.


A certeza refere-se à nossa capacidade de prever o futuro e de nos antecipar ao que virá pela frente. Nosso cérebro, o tempo todo, faz um esforço para prever o futuro e se adaptar. A incerteza aparece no nosso cérebro como um erro a ser corrigido, como uma luz que acende no painel de carro indicando que algo não está funcionando bem. Não saber o que vai acontecer pode ser muito debilitante porque consome muita energia: incomodado com essa mensagem de erro, o cérebro dedica menos recursos para outras atividades.

É claro que a incerteza faz parte da vida e nem sempre é negativa. Em graus moderados, ela pode gerar atenção e entusiasmo. O problema é quando essa sensação é frequente e exacerbada, uma condição comum em situações de mudança.

Uma das situações mais ameaçadoras é não saber que expectativas as outras pessoas têm em relação ao seu trabalho. Ter clareza sobre o que seus gestores e colegas esperam de você ajuda a reduzir a incerteza.

Outras ações que podem reduzir o sentimento de ameaça e ampliar o de recompensa incluem:

  • Tornar explícitas coisas implícitas, tais como: quanto tempo vai durar uma reunião e quais são seus objetivos e o que se espera atingir com uma situação de aprendizado (um treinamento, uma nova tarefa).
  • Compartilhar com as pessoas o racional da mudança: por que ela é necessária e que razões levaram a empresa a escolher esse caminho para a mudança? Ter planos e mapas que deem alguma clareza sobre qual é o futuro desejado também ajuda.
  • Quebrar um projeto grande em partes menores também pode ser menos ambíguo e assustador para as pessoas.
  • Ter padrões reconhecíveis (um ambiente familiar, uma sequência conhecida de passos ou tarefas) dá às pessoas alguma segurança frente às mudanças.
  • Por fim, mesmo quando não se tem a informação completa, informar às pessoas uma data de quando será possível saber mais também ajuda a minimizar a sensação de ameaça, criando um "senso de certeza em meio à incerteza".

A autonomia é a sensação de ter controle sobre os acontecimentos e de ter a possibilidade de fazer escolhas. É uma das dimensões mais difíceis de se trabalhar. Do lado individual, a sensação de não ser capaz de colocar em prática as suas próprias decisões pode ser muito estressante. Por outro lado, fazer parte de um grupo e trabalhar para uma organização implicam algumas perdas de autonomia, que podem ser compensadas por outras dimensões (como status e certeza).

Melhorar a sensação de autonomia das pessoas depende muito da atuação das lideranças, que precisam conter o seu ímpeto de controle e não impor processos muito rígidos quando não há necessidade. Medidas simples podem dar às pessoas um senso de autonomia, como organizar a sua própria área e fluxo de trabalho e até mesmo seu horário. Ou ainda permitir que os colaboradores façam escolham e definam a sua trilha de desenvolvimento pessoal, com base em objetivos previamente definidos.

A autonomia não pode, porém, ser apenas uma escolha do líder, mas deve estar incorporada aos processos da empresa. Isso significa ter uma boa governança, que estabeleça limites claros nos quais as pessoas possam exercer a sua criatividade e tomar decisões por conta própria quando necessário.


A conexão é o senso de pertencimento e segurança no grupo e de identificação com as outras pessoas. É um resquício do nosso comportamento tribal, com o sentimento de estar dentro ou fora de um grupo, de achar alguém parecido conosco ou não e de classificar novas pessoas como inimigos ou aliados.

O ser humano tem a necessidade de contato humano seguro: a ausência de contato é ruim, mas a interação com desconhecidos é vista frequentemente como uma ameaça. A nossa capacidade de confiar nas pessoas e ter empatia depende muito do sentimento de fazer parte do mesmo grupo. O senso de conexão e identificação está diretamente ligado à nossa disposição de colaborar e compartilhar informações.

A conexão entre as pessoas não é criada somente através das reuniões e interações formais. É preciso também dedicar tempo para interagir socialmente de outras formas, como conversas casuais (como o famoso cafezinho) e encontros informais.

A empresa também pode oportunizar conexões seguras entre as pessoas ao criar processos e ambientes estruturados de interação, como mentoria, learning groups (com poucos participantes) e a definição de padrinhos para suporte e acompanhamento das pessoas recém-contratadas na empresa.


A justiça é a percepção de que há trocas justas e equilibradas entre as pessoas. É mais difícil se engajar quando as pessoas percebem algo como injusto. O senso de injustiça pode levar a reações de desprezo, dificultar a empatia e gerar até um certo prazer diante de dificuldades vividas pela pessoa considerada injusta.

Fatores como discrepâncias salariais e a divisão inadequada da carga de trabalho acionam o sinal interno de injustiça.  Para minimizar esse sentimento, é necessário definir claramente regras e objetivos, melhorar a comunicação e, na medida do possível, dar mais transparência aos resultados financeiros. Quando se fala de planos de participação nos lucros, isso é essencial para um sentimento de justiça entre os colaboradores.

O desejo das pessoas por justiça também ajuda a explicar o prazer e o sentimento recompensador do trabalho voluntário: ao contribuir com uma causa, as pessoas sentem que estão ajudando a reduzir a injustiça do mundo. E essa dimensão também deve ser considerada pelas empresas.

Os mecanismos de ameaça e recompensa são, em grande parte, inconscientes. O modelo SCARF ajuda as empresas e as lideranças a direcionar atenção a esses processos, criando ações que ajudem as pessoas a se sentirem mais seguras diante da mudança.

Em muitos casos, é uma batalha de percepções. Se o novo for percebido como ameaça, o engajamento será mais difícil. Já uma percepção positiva de segurança ou de recompensa, (que, como vimos, vai muito além do salário) tornará as pessoas mais dispostas e preparadas para lidar com o novo.

 

Referências e inspirações para este artigo:

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