O que é valor para você? Diante dessa pergunta, é provável que você cite coisas como respeito, verdade, família, trabalho e outros princípios com os quais buscamos pautar nossa vida diária. E para as empresas não é diferente: integridade, excelência e responsabilidade social aparecem com frequência na declaração de valores de inúmeras organizações.
Gosto, porém, de pensar os valores sob uma outra perspectiva. Valor é aquilo a que você dá importância. E àquilo que é realmente importante para nós, dedicamos tempo, energia e dinheiro.
Assim, não faz sentido dizer, por exemplo, que a família é um valor para nós, se reservamos pouco tempo para conviver com nossos pais, filhos ou companheiros. E aqui não falamos somente de quantidade, mas da qualidade do tempo de convivência, conectando-se de verdade (e tirando os olhos das redes sociais e do e-mail). Também é questionável dizer que o desenvolvimento pessoal e a educação são valores, se há tempos você não abre um livro ou se, para você, qualquer investimento em capacitação é caro demais.
Não tem certo, nem errado. É importante apenas que os nossos valores se manifestem concretamente na nossa agenda diária e na forma como distribuímos os nossos recursos mais valiosos: tempo, dinheiro, energia, atenção, etc. Do contrário, esses valores são apenas uma declaração vaga e descomprometida com a realidade.
Com as empresas, não é diferente. Quer um exemplo? O foco no cliente (ou qualquer outro termo parecido) está na lista de valores de boa parte das empresas. Mas qual é o espaço que o cliente ocupa de verdade na agenda dos principais executivos da sua organização?
Um estudo da Harvard Business Review, que acompanhou CEOs de 27 grandes empresas por três meses, mostrou um dado alarmante. Em média, os principais executivos gastam apenas 3% do seu tempo no contato direto com clientes. Isso é menos do que o tempo que eles dedicam para falar com consultores externos, por exemplo.
E por que isso é tão preocupante? Com o seu exemplo pessoal, a liderança dá o tom e mostra para a organização o que é valor de verdade. A forma como o líder distribui seu tempo traz uma mensagem poderosa para o restante da empresa, sinalizando o que é relevante ou não. E esse exemplo influencia a forma como os demais colaboradores enxergam e se relacionam com o cliente nas atividades do dia a dia.
A liderança dá o exemplo
As empresas que se consagraram em seus segmentos por conta de um ótimo atendimento ao cliente ou da alta capacidade de compreender o mercado têm, em geral, um ponto em comum: seus fundadores e principais lideranças fazem do contato direto com o cliente e com os funcionários da linha de frente uma parte essencial de suas agendas.
Foi assim com Sam Walton, fundador do Walmart, e entusiasta do modelo “management by walking around”. Um termo sem tradução direta, mas que é usado para definir o modelo em que o gestor sai da sua sala, circula pelas áreas de produção e vendas para ouvir e obter sugestões diretamente de clientes e funcionários. O sistema Lean, e seu conceito de “gemba”, tem o mesmo espírito ao incentivar os executivos a irem “ao lugar onde as coisas acontecem de verdade” para identificar de perto as oportunidades de melhoria.
A gigante do e-commerce Amazon também tem uma filosofia similar. Para seu fundador, Jeff Bezos, “qualquer pessoa da empresa precisa ser capaz de trabalhar no call center”. É por isso que todos os gestores da Amazon, incluindo o próprio Bezos, fazem ao menos dois dias por ano um treinamento na área de atendimento telefônico da empresa, nos Estados Unidos.
Nos meus tempos de Coca-Cola, outra gigante da área de bens de consumo, eu lembro de quão importante era o hábito de “fazer a rota”, com visitas frequentes a lanchonetes, mercearias e supermercados – mesmo para quem não era da área de vendas. Isso é parte da filosofia da empresa e ajuda a manter a estratégia conectada com o cliente e com o mercado.
Por que o contato direto com o cliente é importante
Para o executivo, é essencial manter um contato regular e direto com os clientes: eles são uma fonte valiosa de informação sobre a evolução da empresa, as tendências de mercado e a atuação da concorrência.
Executivos que se distanciam demais do cliente, por conta da agenda lotada e das outras atribuições do cargo, podem sofrer consequências graves como:
- Perder a linguagem do mercado, se desconectar do que acontece nas ruas e ficar muito preso aos jargões técnicos ou à linguagem do escritório.
- Focar excessivamente nos processos internos (o que é mais conveniente para empresa) e não no atendimento às necessidades do mercado no presente e ao longo do tempo.
- Tornar-se refém do relato de terceiros, sem uma visão própria do que está acontecendo no mercado.
- Ter uma visão distorcida da realidade, baseada em interações esparsas e pontuais com o cliente. Nos primeiros contatos, é comum que os clientes se comportem de modo diferente diante de diretores; para que essas conversas ganhem cada vez mais naturalidade, elas precisam ser frequentes.
Gestão do tempo no pipeline da liderança
Encontrar tempo em suas agendas para o contato regular com os clientes é um desafio para os executivos. Mais do que qualquer outro membro na organização, CEOs e diretores precisam lidar com a escassez de tempo e com agendas impostas por outras pessoas ou circunstâncias.
A forma como os executivos alocam seu tempo e sua presença física é essencial para a performance da empresa. A gestão eficaz do tempo, aliás, é um dos fatores-chave para que os gestores possam alcançar níveis mais altos na organização, como mostra o conceito do pipeline da liderança de Ram Charan.
Segundo esse modelo, para avançar no pipeline de liderança – chegando um dia ao nível mais alto da organização -, os gestores precisam, em cada estágio, de: habilidades diferentes, novas formas de gerir o tempo (para dar conta dos desafios) e um conjunto coerente de valores profissionais. E valor aqui significa, mais uma vez, aquilo que as pessoas consideram importante e para a qual dedicam esforço.
Nesse conceito, por exemplo, os gestores precisam reservar tempo para se comunicar frequentemente com sua equipe. Não porque é algo obrigatório ao seu cargo ou exigido pelo RH, mas porque realmente acreditam que a comunicação é a melhor forma de envolver as pessoas.
Do mesmo modo, um executivo precisa encontrar tempo para o contato direto com o cliente. Não porque isso está sendo exigido por outras pessoas ou porque é simplesmente impossível fugir dessa interação. A alta gestão precisa enxergar valor no contato direto com o cliente, entendendo essas oportunidades como uma forma de manter a empresa viva e conectada com as necessidades mais genuínas do mercado que escolheu.
Quer ajudar suas lideranças a se conectarem com o cliente e o mercado?
A Beehavior pode ajudar. Entre em contato conosco.
Fontes e referências deste artigo:
How CEOs Manage Time, de Michael E. Porter e Nitin Nohria – Harvard Business Review
How to Get Your CEO Out of the Office and in Front of Customers, de Jim Karrh
Pipeline de Liderança, de Ram Charan, Stephen Drotter e James Noel